Demorei tempo demais para assistir Avatar: A Lenda de Aang. E sempre fui recebido com expressões de surpresa e descrença quando eu contava que nunca havia assistido, salvo um ou outro episódio. Talvez porque quando Avatar passou a primeira vez eu já não pudesse dedicar um tempo para acompanhar de verdade. O fato é que depois de tantas recomendações e insistências eu consegui assistir as três temporadas na Netflix.

Uma vez, num bate papo de vestiário após um treino de Kung Fu, um senhor colega de turma perguntou o que eu entendia como “clássico”. Na hora e de surpresa, eu disse que era algum tipo de referência de qualidade. “Clássico é algo que se perpetua no tempo pela sua excelência”. Nunca mais esqueci esse conceito, e levo ele sempre comigo quando penso em obras como Avatar.

Como cheguei atrasado nesse assunto, vou preservar você de ler mais do mesmo, já que muita gente já comentou sobre desenvolvimento de personagens, filosofias, simbologias, metáforas e narrativa. Então vou ser mais subjetivo e falar sobre a minha relação com a obra.

Meu personagem favorito é o tio Iroh. Questão de identificação de virtudes e valores, mas tem uma característica dele que está presente em uma série de outros personagens ao longo das três temporadas: envelhecimento. É interessante ver como o estereótipo do “idoso” é trabalhado, repensado, distorcido, e reimaginado. Não é só a questão do trope de “velho sábio”, mas assim como o tema de ciclos é muito presente, a relação entre gerações e reincarnações é mostrada como um caminho constante, que as relações e lições aprendidas permeiam a existência além do carnal, e como a vida é um acúmulo de conhecimentos que só fazem sentido se forem propagados.

O segundo tema que mais me tocou foram as relações de amizade. Ainda quero dedicar um texto aqui exclusivo sobre esse assunto, mas Avatar ilustra várias situações relacionadas à confiança, maturidade, vulnerabilidade, expectativas e sentimentos de uma maneira muito íntima quem assiste. Nós, humanidade, utilizamos simbolismos narrativos como ferramentas para ensinar, relembrar, e oferecer lições valiosas sobre questões humanas em diferentes contextos. Então quando a amizade entre Aang e Katara flui para um sentimento diferente, quando Zuko encontra a si mesmo e aquece suas relações, quando Toph enrijece sua cegueira em uma discussão e se isola, e uma grande gama de outras situações ilustram o que já aconteceu ou acontecerá na vida de uma pessoa. Essa pluralidade é muito rica, pois permite a identificação com posturas e discursos diferentes. Em contrapartida, todos os resultados são apresentados sob uma ótica de sabedoria. Funciona como alguém oferecendo conselhos: “Se você agir dessa forma, os resultados podem ser estes!”. Os anos de vida já me ajudaram a vivenciar muitos dos contextos vistos ao longo dos episódios, mas Avatar me fez ver que o acolhimento das vulnerabilidades é o ingrediente essencial das amizades mais íntimas e importantes, além de reforçar a existência de um caráter transcendental nos vínculos humanos.

E como não falar de equilíbrio? É um tema evidente, central e recorrente. A busca pelo equilíbrio é o que move Aang em direção à sua missão e seu destino, e o desequilíbrio oferece oportunidades para grandes desenvolvimentos narrativos. A relação entre Zuko e Azula, irmãos, sofre transformações o tempo todo pelo desequilíbrio. As decisões mais drásticas acontecem quando os personagens precisam lidar com os contrastes, e a busca pelo o equilíbrio é a moldura que exibe as opções mais sensatas e ricas virtuosamente. É triste ver que Azula chega a um desequilíbrio tão grande que o isolamento é a melhor forma de contê-la, enquanto o equilíbrio de Zuko o faz chegar ao trono da Nação do Fogo, um contexto favorável à paz. A vida é assim, né? Nas turbulências do dia-a-dia o nosso próprio equilíbrio é frequentemente contestado, seja ele físico, emocional ou psicológico. E por mais que o desequilíbrio seja empolgante e nos faça sentir vivos em alguns momentos ou períodos específicos, é quando as forças estão equilibradas que temos visibilidade plena daquilo que nos edifica como humanos, o que cultiva sabedoria, e o quão importante são aqueles que nos cercam e nos constroem. É o que mostra que sempre vale a pena o esforço para fortalecer os nossos vínculos com essas pessoas.

Ainda há mais assuntos sobre Avatar. Eu tenho vontade de reassistir alguns episódios para conseguir assimilar melhor algumas lições, fazer isso com olhos diferentes. Mas acho que agora está no ponto de ouvir mais do que falar (ou escrever). Sabe aquelas pessoas que ficavam surpresas e descrentes? Estou pronto para um café ou mesa de bar.

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